MÁRIO CORDEIRO: “A CARTA AO PAI NATAL NÃO É UMA LISTA DE EXIGÊNCIAS”
Natal e presentes andam sempre de mão dada, mas, segundo o pediatra Mário Cordeiro, “a carta ao Pai Natal não é uma lista de exigências”.
Recuperamos um artigo da revista Sábado em que o reputado pediatra dá a sua visão sobre os diversos temas relacionados com o Natal. O melhor mesmo é ler o artigo que transcrevemos de seguida.
Entre toneladas de presentes, correrias às lojas, birras e cartas ao Pai Natal é preciso muita calma para ultrapassar os dias que nos esperam. Mas o pediatra Mário Cordeiro encara esta quadra com optimismo e confessa que acredita no Pai Natal e quem não acredita "é menos rico". O professor auxiliar de Saúde Pública na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, autor do livro Educar com Amor, da Esfera dos Livros, responde às dúvidas da SÁBADO e dá conselhos aos pais.
É saudável acreditar no Pai Natal?
Claro que sim. Eu acredito. A sério. Não apenas porque os vejo, em cada rua, mas porque o sinto a trazer os presentes e porque ele representa o que de melhor há em nós e no ser humano: a dádiva, a sabedoria da velhice, a risada marota e inocente, divertida e cheia de vitalidade, e ainda por cima deslocando-se num meio de transporte ecológico, não emissor de CO2, barato e que faz a inveja de toda a gente. Quem não acredita no Pai Natal é menos rico, interiormente, mesmo que ele tenha as meias do tio ou os sapatos do padrinho… mesmo que ele envie os presentes através dos pais e das outras pessoas.
Quando é que as crianças devem descobrir que afinal não existe?
Não há propriamente uma idade. As crianças vão descobrindo por si, mas não devem ser confrontadas, quase sadicamente, pelos adultos, com a realidade "objectiva". O Pai Natal pertence à fantasia e aos sonhos e, portanto, ao mundo da criatividade e da liberdade. As crianças entram num jogo: sabem que "se calhar não existe", e nós dizemos que sim… tal como a fada dos dentes ou outro ser simbólico que mais não é do que o amor dos pais e dos que as rodeiam. E esse existe, espera-se!
Quantos presentes devem receber os miúdos?
Não há propriamente um número. Depende do número de pessoas que dão. Todavia, convém relembrar que um presente significa "estar presente" na vida da outra pessoa cada vez que esta usar ou ver o objecto oferecido. É um testemunho de amizade e de amor. A pessoa que oferece está presente nele, e como tudo o que está no amor e na amizade, não deve ser ostentatório, excessivo ou redundante. A frugalidade e a simplicidade são apanágio dos gestos de amor, que se querem simbólicos, mesmo que correspondam a necessidades e possam ser muito úteis.
Acha que os pais se devem mascarar de Pai Natal ou vai criar confusão e os miúdos vão descobrir?
Eles acabam por saber que o Pai Natal tem os sapatos do primo que, por mero acaso, tinha ido à casa de banho no momento em que o Pai Natal chegou. Mas o que se sabe, na realidade crua e dura, e o que se imagina, na doçura da fantasia, não é igual. É por isso que, repito, acredito no Pai Natal. Porque acredito que, pelo menos uma vez por ano (e mais) possamos ter gestos desinteressados e por meros afectos. É bom que as crianças tragam, devagar, a figura do Pai Natal mítico, fantástico, que vive no Polo Norte, para cada um de nós e para elas próprias – por isso devem dar presentes, elas mesmo, nem que seja um desenho ou algo comprado com o dinheiro da semanada, quando são maiores.
Como evitar as birras no Natal?
Estabelecendo desde logo que a carta ao Pai Natal não é uma lista de exigências nem uma lista de casamento para os pais e restantes familiares cumprirem. É apenas a expressão de desejos, mas quem não deseja tanta coisa que acaba por não ter. O presente tem de ser algo pensado por quem oferece, pensando na pessoa quem vai oferecer, mas com total liberdade. Se o gesto afectuoso de dar se transforma num cumprimento obrigatório de uma exigência, a amizade e o espírito de Natal são totalmente arrasados. Se as crianças fizerem birra paciência!
Em casas com muitas crianças, como evitar que queiram os brinquedos dos outros e que a abertura de presentes transforme a sala num campo de batalha?
Se houver alguma ordem na distribuição, presenteando todos, as guerras são menores. Mas o que é de cada um, é de cada um. No final, as crianças podem negociar ou pedir para brincar com o presente do outro, mas nunca roubando-o ou fazendo birras. E se uma pessoa que recebe um presente quer ser ela a gozá-lo, até porque acabou de o receber, isso não é sinónimo de egoísmo, mas até de apreciação pelo gesto. Convém, aliás, que a distribuição não seja caótica, para que cada criança saiba quem deu aquele presente, a pessoa que deu veja a reacção e a criança agradeça a quem ofertou. E os adultos o façam às crianças que ofereçam presentes que, como digo, podem ser simples desenhos ou uma qualquer coisa que diga: "estou presente na sua vida!".